Saturday, September 09, 2006

A CONSTRUÇÃO DO CORPO E SEUS DESTINOS

“Suportar as verdades desnudadas, e enfrentar as circunstâncias com calma absoluta, eis o ápice da soberania.”
Ernst Jones
No reino animal, o ser humano constitui a espécie que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva. Ele ocupa uma posição especial na natureza, tem sua inteligência e sua capacidade de raciocínio desenvolvidas, faz uso da linguagem articulada e é o que nasce em maior estado de desamparo e dependência. Por causa dessa dependência, o bebê humano precisará, desde o primeiro momento de vida, de cuidado e proteção. Esses virão pela relação do bebê com um adulto, mais especificamente com a mãe, com quem será estabelecida uma importante relação afetiva. A alimentação e os cuidados com o corpo do bebê serão os elementos responsáveis pelas suas primeiras experiências de prazer e desprazer.Aconchegado no colo materno e levado ao seio para se alimentar, mais que saciada a fome, ele experimentará um momento pleno de satisfação que, a partir de então, tentará repetir inúmeras vezes, contudo sem jamais consegui-lo. Aquele primeiro momento único é irremediavelmente perdido é denominado por Freud de primeira experiência de satisfação.A privação, oriunda dessa experiência, marca-o então com falta, a incompletude e abre as portas do desejo humano. Ele tentará reviver essa primeira vivência de satisfação por meio de alucinação. Dessa forma instaura-se a matriz do psiquismo humano, cuja evolução e desenvolvimento serão sempre marcados por percalços e vicissitudes.É na lida com o filho que a mãe, pelo ritual de amamentação, higiene, limpeza, carinho e brincadeiras, começará a marcar, a pontuar o corpo da criança, dando suporte ao desenvolvimento psicossexual, que resultará, entre outras coisas, na constituição do corpo erógeno.Corpo erógeno é o corpo investido libidinalmente, sabendo-se que a libido é a energia da pulsão sexual.O desenvolvimento psicossexual humano se dá no entrelaçamento das fases oral, anal, fálica e genital, havendo uma predominância na organização da libido, característica a cada uma delas. (É importante não considerar esse acontecimento como uma sucessão gradativa e rígida, onde as etapas seriam excludentes umas das outras.) Nesse movimento constitutivo, a relação com a mãe é da maior importância, porque é ela quem fornece ao filho informações que permitirão a construção, pela criança, da imagem e percepção de si mesma. As palavras ou os significantes virão sempre carregados de conotação (fornecidas e interpretadas pela mãe e pela criança).Na seqüência evolutiva do desenvolvimento psíquico da criança, alguns momentos se destacam pela importância de suas conseqüências. A capacidade de representação, adquirida com a aquisição da linguagem e do pensamento, é um desses momentos.A criança aprende a representar o que vê em imagens e o que ouve em palavras. A representação do que é visto é registrada em imagens; quando esses registros acontecem muito precocemente são denominados de traço mnésico, que posteriormente poderão se articular com representação de palavras.A possibilidade para a criança de representar psiquicamente o que vê e o que ouve lhe permitirá a conquista consecutiva da simbolização. A simbolização é a representação indireta de uma idéia, de um pensamento, de um desejo. É a aquisição dessa possibilidade que permitirá ao ser humano, entre outras coisas, lidar com a angústia por meio de representantes simbólicos que a abrandem ou dissipem. Exemplificando, se a presença materna significa amparo e proteção, sua ausência mergulha o bebê em angústia. Ele, então, inventa um representante ou substituto para sua mãe, com que lidará para aplacar sua angústia na falta dela. Winnicott, psicanalista e pediatra inglês, denomina essa primeira criação infantil de "objeto transicional". A chupeta, a ponta do dedo, a beiradinha da fronha, a dobrinha do cobertor, com as quais a criança se apega para dormir, constituem a representação simbólica da ausência da mãe.Para que ocorra essa substituição, é feita uma passagem que implica em um deslocamento e uma metáfora. Adquirida essa capacidade, deslocamentos e condensações, metáforas e metonímias serão recursos sempre utilizados para lidar com a angústia e os conflitos psíquicos. Os sintomas neuróticos serão oriundos desse movimento. Nesse sentido, portanto, a neurose é uma conquista positiva, constituindo-se em uma saída na luta do conflito psíquico. O maior ou menor grau de sucesso nessas passagens serão responsáveis pela melhor ou pior resposta do indivíduo em seu comportamento e em sua relação com as pessoas e com a vida.
Fonte: Uma visão Psicanalítica, Yara Dalva Simão.

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